O IBS e as exportações
21/06/2023
Fonte: Valor Econômico
O modelo proposto assegura não cumulatividade plena, desconhecida pelas empresas exportadoras
No debate sobre a reforma tributária do consumo, muito se tem especulado sobre o aumento do custo das exportações e a consequente perda de competitividade do Brasil no cenário internacional. A alíquota de 25%, estimada pelos idealizadores das propostas em discussão no Congresso Nacional para fazer frente à atual arrecadação dos tributos suprimidos com a reforma (essencialmente ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins), causou a rejeição de diversos setores, especialmente daqueles desonerados ou essencialmente exportadores.
Sem se ater ao Fla-Flu atual, este artigo tem como objetivo combater a desinformação e explicar como o modelo do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), tal como proposto nas PECs 45/2019 e 110/2019, pode, de fato, beneficiar o país no contexto das exportações. A despeito do receio quanto ao sucesso da implementação de novos modelos, especialmente dado o complexo cenário tributário brasileiro, é preciso colocar um pouco de luz sobre a temática para se ter um debate honesto e mais profundo sobre os reais entraves à aprovação de reformas necessárias, como a tributária.
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O IBS proposto segue a linha das melhores práticas internacionais de IVA na busca pela neutralidade fiscal – premissa básica de um bom IVA estabelecida nos guidelines da OCDE após vasta experiência de IVAs implementados em mais de 160 países.
Segundo o princípio da neutralidade, decisões de negócio e de consumo devem ser motivadas por razões econômicas e não fiscais. A tributação, portanto, deve ser neutra e isonômica quando aplicável às diferentes formas de atuação das empresas e aos players nacionais e internacionais.
Nas operações domésticas, a neutralidade é alcançada pela aplicação do princípio da não-cumulatividade, segundo o qual o montante do imposto pago na entrada de bens e serviços gera créditos a serem abatidos na saída subsequente. Nessa dinâmica, o imposto incide apenas sobre o valor adicionado ao produto ou serviço e é efetivamente arcado pelo consumidor final. A empresa que recolhe o imposto ao longo da cadeia o faz apenas na condição de agente coletor, sendo o consumidor final quem arca com o ônus financeiro do imposto.
No comércio internacional, a neutralidade encontra guarida no princípio do destino, segundo o qual a jurisdição onde está localizado o adquirente do produto ou tomador do serviço deve ser competente para arrecadar o imposto. Em vista desse princípio, as exportações são isentas do IVA (adquirente ou tomador estão localizados em outra jurisdição com competência para tributar o consumo) e as importações são tributadas na mesma base e à mesma alíquota que as operações domésticas (uma vez que a jurisdição do importador tem competência para tributar o consumo).
As propostas para criação do IBS no Brasil reúnem esses dois princípios resultando na completa desoneração das exportações. Isso ocorre porque todo imposto incidente nas etapas anteriores (mercado interno) será convertido em créditos para compensar com o imposto incidente na exportação que, no caso, será zero por aplicação do princípio do destino, gerando um saldo acumulado sujeito à devolução imediata pelo órgão responsável pela gestão do imposto.
Na prática, portanto, todo valor de IBS pago ao longo da cadeia de exportação que for acumulado pelo exportador deve ser devolvido pelo governo quando solicitado.
O modelo proposto assegura não cumulatividade plena, atualmente desconhecida pelas empresas.
Hoje, sequer há percepção das empresas quanto às perdas ocorridas ao longo da cadeia que acabam onerando as exportações. Muito embora as exportações teoricamente não sejam tributadas, a realidade de limitações à tomada de créditos resulta em um cenário bem diferente. Créditos decorrentes de aquisições básicas ou essenciais, como energia elétrica, bens do ativo permanente ou mesmo frete, sofrem uma série de restrições pelas autoridades fiscais. A não cumulatividade do
ICMS, IPI, PIS e Cofins está apenas na nomenclatura dos tributos, sendo realidade bem distante. O ISS, por sua vez, é cumulativo e não dá direito a quaisquer créditos.
Como bem diagnosticado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro em relatório do grupo de trabalho destinado a analisar a PEC 45/2019 apresentado na Câmara dos Deputados no último dia 6 de junho, a incidência de tributos em cascata e as inúmeras vedações à tomada de créditos acabam gerando resíduos tributários nas exportações. Não há transparência quanto à efetiva carga suportada pelos cidadãos brasileiros, sendo que até as desonerações são falaciosas.
Além das inúmeras vedações à tomada de créditos, não podemos esquecer que as regras que disciplinam o creditamento de ICMS, IPI, PIS e Cofins são distintas e complexas, o que gera insegurança jurídica e elevado contencioso. Os ganhos financeiros decorrentes da garantia de crédito amplo, uniformização da legislação e clareza das regras tributárias são variáveis importantes da equação e não podem ser desprezadas no contexto da reforma tributária.
A despeito da descrença quanto à implementação de uma reforma dessa magnitude, é preciso ter conhecimento do modelo proposto pelas PECs 45/2019 e 110/2019 para que possamos avançar no debate. As exportações não serão oneradas simplesmente porque o IBS incidirá à alíquota nominal de 25% nas etapas anteriores. Independentemente da aliquota que venha a ser aprovada, as exportações, por decorrência lógica do modelo que prevê não cumulatividade plena e tributação no destino, serão mais beneficiadas do que atualmente e o país estará em um cenário mais favorável internacionalmente.
Isso não quer dizer que não seja legítima a preocupação dos exportadores quanto à efetiva devolução de créditos de IBS que venham a ser acumulados. Não podemos confundir, contudo, a atuação concreta do órgão competente pela devolução dos créditos com o modelo proposto, mesmo que com alíquotas elevadas objetivamente falando. É preciso reconhecer que da forma como concebidas, as PECs 45/2019 e 110/2019 beneficiam, sobretudo, as exportações. Os esforços devem ser direcionados ao aprimoramento de pontos problemáticos das propostas e à propositura de outras reformas estruturais necessárias sem desqualificar as medidas propositivas que estão alinhadas às melhores práticas internacionais.
Autora: Gabriela Conca