Receita contraria STF e determina tributação da Selic sobre créditos de PIS/Cofins
22/12/2021
Fonte: Conjur
Em 15 de dezembro de 2021, foi publicada a Solução de Consulta 183, editada pela Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal (“Cosit”), esclarecendo o tratamento tributário dado aos créditos de PIS e Cofins reconhecidos em mandado de segurança impetrado pelo contribuinte para discutir a exclusão do ICMS da base de cálculo das referidas contribuições.
A Solução de Consulta tocou em diversos pontos sensíveis para os contribuintes, especialmente o momento de reconhecimento da receita decorrente dos créditos decorrentes de ação judicial e a tributação por IRPJ/CSLL e PIS/Cofins dos valores decorrentes da aplicação da Selic na correção dos créditos, que potencialmente continuarão sendo objeto de questionamento no Judiciário.
Com relação ao primeiro ponto, a Receita Federal reconheceu que, na hipótese de créditos reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado em que o valor a ser compensado não foi definido no curso do processo (como ocorre no mandado de segurança), deve-se reconhecer a receita (tanto do principal, quanto dos juros Selic) na entrega da primeira Declaração de Compensação pelo contribuinte, na qual se declara sob condição resolutória o valor integral a ser compensado.
Segundo a Receita Federal, o Ato Declaratório Interpretativo nº 25/2003 deixa claro o entendimento de que a receita correspondente aos créditos reconhecidos judicialmente deve ser computada quando ela estiver juridicamente disponível. No caso de créditos reconhecidos em mandado de segurança, a receita apenas estará juridicamente disponível após habilitação do crédito e quantificação pelo contribuinte, o que efetivamente ocorre quando é apresentada a primeira Declaração de Compensação informando o valor total do crédito a recuperar.
Complementando o raciocínio, a Receita menciona que “sempre que houver o direito a uma prestação ou contraprestação quantificável, é no momento em que surge esse direito para o contribuinte que se reconhece a receita decorrente do direito que se agrega ao seu patrimônio. É desnecessária para esse reconhecimento a efetiva satisfação da prestação ou da contraprestação, visto que antes desse momento já estava presente a disponibilidade jurídica”. Portanto, a quantificação dos créditos pelo contribuinte, formalizada mediante entrega da sua primeira Declaração de Compensação, seria suficiente para demonstrar a disponibilidade jurídica da renda passível de tributação tanto por IRPJ/CSLL quanto por PIS/Cofins.
A despeito do correto entendimento da Receita de que não deve ser reconhecida a receita no momento do trânsito em julgado da decisão proferida em Mandado de Segurança [1] ou mesmo da habilitação do crédito [2] , discordamos da visão de que há disponibilidade jurídica no momento da apresentação da primeira Declaração de Compensação pelo contribuinte se nessa mesma declaração não houver satisfação integral do crédito reconhecido judicialmente.
O fornecimento da informação sobre o montante integral do crédito a recuperar pelo contribuinte não indica, em absoluto, a disponibilidade do crédito para compensação. A disponibilidade apenas ocorre quando o contribuinte de fato possui débitos para fazer frente a esses créditos e efetivamente utiliza esses créditos para extinguir suas obrigações.
A esse respeito, vale observar que a própria Solução de Consulta menciona que “ocorre a aquisição da disponibilidade jurídica de renda quando não haja condição ou evento para que ela se realize”. Esse raciocínio, todavia, não foi efetivamente empregado no caso concreto, na medida em que a Receita Federal ignorou o fato de que o direito à compensação pelo contribuinte apenas surge quando e se ele houver apurado débitos a compensar — ou seja, há evento futuro e incerto que impede a aquisição de disponibilidade. Nesse tópico, peca a Receita Federal.
Sobre o segundo ponto que merece debate, observamos que a Solução de Consulta nº 183 simplesmente afirmou que o montante relativo à Selic aplicada na correção dos créditos reconhecidos judicialmente seria passível de tributação por IRPJ/CSLL, a despeito da recente decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no Recurso Extraordinário nº 1.063.187/SC [3] sob a sistemática da repercussão geral — isto é, com efeito vinculante para todo o país — que reconheceu justamente o contrário.
Nesse aspecto, vale mencionar que a Solução de Consulta nº 183 foi proferida mais de dois meses depois de o Supremo concluir o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.063.187/SC, o que causa certa surpresa e descontentamento aos contribuintes. A despeito de eventual modulação de efeitos da decisão do Supremo que possa acontecer, os contribuintes estavam confiantes de que a posição do Supremo seria respeitada pelas autoridades fiscais.
Com relação ao tratamento de receita financeira dado à Selic para fins de incidência de PIS/Cofins, também não parece ter sido correto o posicionamento da Receita Federal. Como bem pontuado pelo Supremo no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.063.187/SC, “os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas (danos emergentes)” e, portanto, não representam receita nova passível de tributação por PIS/Cofins.
De maneira geral, a Solução de Consulta nº 183 inovou ao reconhecer que o crédito reconhecido em Mandado de Segurança e passível de compensação administrativa não deve ser tributado por IRPJ/CSLL no momento do trânsito em julgado da ação, tampouco no momento da habilitação. A despeito de positiva nesse aspecto, referida manifestação peca ao determinar que o valor integral do crédito deve ser levado à tributação no momento da apresentação da primeira Declaração de Compensação e não à medida em que as compensações forem sendo efetivamente realizadas, mantendo o potencial de judicialização da matéria.
Ainda, a posição manifestada na Solução de Consulta nº 183 quanto à incidência de IRPJ/CSLL sobre o montante relativo à SELIC destoa da posição da Suprema Corte sobre o assunto, possivelmente mostrando a resistência das autoridades administrativas em aceitar o desfecho da ação no Tribunal, como ocorreu com a própria Tese do Século. No que se refere à incidência de PIS/Cofins sobre a SELIC, muito embora o Supremo não tenha enfrentado a matéria propriamente, sua incidência é igualmente questionável.
A Receita Federal tinha o potencial de resolver uma série de conflitos que permeiam a discussão da Tese do Século e muitas outras que virão, mas, ao contrário, parece dar munição para o ciclo vicioso de autuações e medidas judiciais que sobrecarregam o judiciário e causam enormes impactos aos cofres públicos.
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[1] O Superior Tribunal de Justiça reconheceu no julgamento do Recurso Especial nº 1.124.537/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos, que “é defeso, ao Judiciário, na via estreita do mandamus, a convalidação da compensação tributária realizada por iniciativa exclusiva do contribuinte, porquanto necessária a dilação probatória”. Portanto, a via do Mandado de Segurança serviria o único propósito de garantir o direito do contribuinte à compensação de valores sem, contudo, validar os valores objeto de futura compensação administrativa.
[2] O deferimento do pedido de habilitação do crédito não implica o reconhecimento do direito creditório. Como bem pontuou a Solução de Consulta nº 183, “a habilitação prévia de créditos decorrentes de ação judicial tem por objetivo analisar os requisitos preliminares acerca da existência do crédito, de forma a evitar fraudes e abusos e garantindo, de modo preliminar, a viabilidade jurídica do crédito oponível à Fazenda Pública”.
[3] O julgamento foi concluído em 27.9.2021 e o Acórdão publicado em 16.12.2021.
Autores: Gabriela Conca e Bruno Nepomuceno