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Escritório de São Paulo

Controvérsia sobre destinatário para fins de incidência do ICMS-Importação

23/09/2021

Fonte: JOTA

O leading case julgado pelo STF tem sido aplicado pela Câmara Superior do TIT?

Em 27 de abril de 2020, o STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário nº 665.134/MG, sob a sistemática da repercussão geral, para fixar o entendimento de que “o sujeito ativo da obrigação tributária de ICMS incidente sobre mercadoria importada é o Estado-membro no qual está domiciliado ou estabelecido o destinatário legal da operação que deu causa à circulação da mercadoria, com a transferência de domínio”.

A controvérsia surgiu da interpretação do artigo 155, § 2º inciso IX, “a”, da Constituição Federal pelos estados, segundo o qual o ICMS incidente na importação de mercadorias cabe ao “estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria”. A expressão “destinatário da mercadoria” acabou recebendo inúmeros significados pelos estados, variando desde local onde há entrada física do produto importado, até local onde o produto é efetivamente utilizado.

Ao examinar o assunto, o STF pacificou o entendimento de que o ICMS devido na importação compete ao estado do destinatário jurídico do bem importado, que é quem dá causa à transferência de titularidade do bem, ou seja, ao estado em que estiver localizado o estabelecimento daquele que pactuar a compra e venda.

Concluiu-se, portanto, que o destinatário da mercadoria previsto no artigo 155, § 2º inciso IX, “a”, da Constituição Federal é aquele que efetivamente a adquiriu junto ao fornecedor no exterior. Aplicando esse racional às diferentes modalidades de importação, temos o seguinte:

(i) na importação por conta própria, o destinatário jurídico coincide com o econômico, uma vez que o importador utiliza a mercadoria em sua cadeia produtiva. O imposto deve ser recolhido ao Estado onde se encontra aquele que firmou o contrato de compra e venda internacional;

(ii) na importação por conta e ordem, o destinatário jurídico é quem dá causa efetiva à operação de importação, ou seja, o contratante de prestação de serviço consistente na realização de despacho aduaneiro de mercadoria (logo, aquele que contratou a trading); e

(iii) na importação por encomenda, o destinatário jurídico é a trading, pois é quem incorre no fato gerador do ICMS com o objetivo de posterior revenda, ainda que mediante acerto prévio.

Por ocasião do julgamento, o STF também declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 11, I, “d”, da Lei Complementar nº 87/96, para afastar o entendimento de que o local da operação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável pelo tributo, é apenas e necessariamente o da entrada física do produto importado.

Esperava-se que esse precedente pacificasse a matéria e reduzisse significativamente o contencioso sobre o tema, sendo invocado, inclusive, em julgamentos na esfera administrativa para evitar a sobrecarga do Poder Judiciário[1]. Nota-se, contudo, especialmente em casos analisados pela Câmara Superior do TIT, que o Recurso Extraordinário nº 665.134/MG sequer é mencionado quando o assunto é colocado em pauta.

Nesse sentido, analisaremos nesse artigo dois julgados da Câmara Superior do TIT publicados entre 20.8.2021 e 20.9.2021 (Acórdãos proferidos nos Autos de Infração nºs 4047298-0 e 4022935-0), que versaram sobre a matéria relativa ao estado competente para recolhimento do ICMS devido na importação de mercadorias, confrontando-os com a orientação do STF.

Pois bem, no Auto de Infração nº 4047298-0 o contribuinte foi autuado pelo estado de São Paulo por deixar de recolher o ICMS relativo a mercadorias importadas por seu estabelecimento em Pernambuco e desembaraçadas no estado de São Paulo.

Segundo relatado pela manifestação fiscal, no que foi acolhido pelo voto do relator, as mercadorias saíram de terminal alfandegado no estado de São Paulo diretamente para o estabelecimento da contribuinte em Itapetininga, também no estado de São Paulo, sem nem transitar por Pernambuco, de maneira que o imposto incidente na operação de importação caberia ao estado de São Paulo. No voto que conduziu o julgamento do Recurso Especial, o relator assim dispôs:

“31. No mérito, contudo, a melhor solução foi dada na decisão recorrida, na qual consta que a mercadoria foi desembaraçada no estado de São Paulo e destinada diretamente a estabelecimento também situado no estado de São Paulo, sem sequer transitar pelo estado de Pernambuco, onde estava sediado o importador. Nesse caso, de acordo com o artigo 11, I, d, da Lei Complementar nº 87/96, para efeitos de cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, o local da operação é o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física da mercadoria.

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

I – tratando-se de mercadoria ou bem:

d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física;

Por estas razões, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DO CONTRIBUINTE em relação à matéria.”

Com relação ao voto acima, entretanto, vale tecer alguns comentários: (i) a fundamentação empregada vai contra a decisão do STF no Recurso Extraordinário nº 665.134/MG, que declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 11, I, “d”, da Lei Complementar nº 87/96, justamente para afastar o entendimento de que o local da operação, para os efeitos da cobrança do ICMS, deve ser o da entrada física do produto importado; e (ii) não houve qualquer exercício para se tentar identificar o destinatário jurídico do bem, como determinado pelo STF, limitando-se a afirmar que o bem não transitou pelo estabelecimento importador.

Fazemos a ressalva para o único voto de vista proferido pelo julgador Edison Corazza, que observou a necessidade de avaliar quem seria o destinatário legal da mercadoria importada para fins de determinar o sujeito ativo do tributo, concluindo, todavia, pela manutenção da autuação em vista da ausência de elementos concretos expostos no Recurso Especial que levassem à conclusão diversa da do relator, nos seguintes termos: “Poder-se-ia dizer que a empresa pernambucana seria a destinatária legal das mercadorias, entretanto o Recurso Especial não traz qualquer consideração acerca desse tema, não vislumbrando qualquer indício que justifique a prática negocial de importar mercadoria por Acumuladores Moura em Recife para desembaraçá-las em Santos e destiná-las a recorrente em Itapetininga-SP”.

A matéria, portanto, não parece ter sido enfrentada adequadamente. Chama a atenção, inclusive, que os parâmetros estabelecidos pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 665.134/MG sequer tenham sido levados para debate.

O mesmo ocorreu no julgamento do Auto de Infração n º 4022935-0. Nesse caso, o contribuinte foi autuado por não recolher ao estado de São Paulo mercadorias importadas por conta e ordem da filial do Espírito Santo, onde houve, inclusive, trânsito físico das mercadorias e armazenagem para posterior remessa ao estabelecimento paulista.

Muito embora nesse caso o Recurso Especial da Fazenda não tenha sido conhecido, por maioria, por ausência de divergência, e o contribuinte tenha saído vencedor, é de se preocupar quanto ao teor dos votos que efetivamente enfrentaram o mérito da questão.

Nesse sentido, vale observar o voto do relator, que assim dispõe: “21. Em breve síntese, de acordo com a jurisprudência do e. STJ, a interpretação do artigo 11, inciso I, alínea “d”, da Lei Complementar nº 87/1996, é de que o ICMS deve ser recolhido ao estado onde está localizado o destinatário final da mercadoria, mesmo que tenha sido desembaraçada por estabelecimento intermediário situado em outra Unidade da Federação, seja este terceiro ou pertencente ao mesmo grupo. (…) 22. No caso dos autos, às fls. 25847, em contrarrazões ao Recurso Especial, o próprio contribuinte afirma que as mercadorias permaneciam por alguns dias nos armazéns gerais contratados antes de serem remetidas a outros Estados, tornando inequívoco o fato de que seu estabelecimento do Espírito Santo não era o destinatário final dos produtos importados, mas mero intermediário na aquisição”.

Como se nota do voto acima, é utilizado o conceito de “destinatário final” que não corresponde àquele definido pelo STF em sede de repercussão geral (destinatário jurídico). Não bastasse isso, o fato é que não houve uma preocupação em observar os parâmetros delineados pelo STF ao decidir a matéria.

De maneira geral, o posicionamento da Câmara Superior ora discutido nos leva a crer que, a despeito da consolidação da jurisprudência pelo STF, os contribuintes ainda terão que enfrentar o tema no judiciário, demandando um sistema já sobrecarregado, moroso e custoso para os cidadãos.

Autora: Gabriela Conca

Coordenação: Eurico Marcos Diniz de Santi, Eduardo Perez Salusse, Lina Santin, Dolina Sol Pedroso de Toledo e Kalinka Bravo